domingo, 12 de abril de 2009

Narrativas e ereções

Aquele marujo esmagado no tapete que lhe apresentava nádegas musculosas e peludas no meio de cogumelos aveludados realizava com ele um ato que poderia ter pertencido às orgias de convento, onde freiras se deixam foder por um bode. Era uma bela farsa, mas que lhe dava ombros sólidos. Diante daquele negro cu, emaranhado, francamente oferecido sobre longas e pesadas coxas meio morenas, que saem do tumulto da calça arriada onde pernas estavam presas, Norbert permanecia em pé, abria a braguilha toda, tirava o pau já duro, afastava um pouco a camisa para dar espaço ao saco e ser macho por inteiro; e durante alguns segundos ele se contemplava naquela postura que considerava como uma proeza de caça ou de guerra. Sabia não estar arriscando nada, pois nenhum sentimentalismo perturbava a pureza do jogo. Nenhuma paixão. 

- Está passando do ponto. Dizia ainda: Nada mal! 
Não passava de um jogo sem seriedade. Dois homens fortes e sorridentes. Sendo que um, sem preocupação, sem fazer drama, dava ao outro seu cu. 

’A gente se diverte a beça.’ 

Acrescentava a isso o prazer de passar as mulheres para trás. ‘Se elas soubessem que a gente esvazia os ovos entre colegas, fariam uma cara... o marujo não arruma encrenca. Acha engraçado ser enrabado. Não tem nenhum mal nisso.’ 

Por fim, Norbert aceitava comer Querelle um pouco por gentileza. Parecia-lhe, não que o marujo estivesse apaixonado por ele, mas que precisava disso para continuar vivendo. Norbert não o desprezava, primeiro por ele ter sabido não se deixar enrolar na venda do ópio, e também por causa de sua força. Não podia deixar de admirar a jovem e flexível musculatura do marujo. Isso lhe dava ainda mais tesão. Molhava com a mão, depois curvava-se devagar, colocava-se sobre as costas de Querelle e enfiava. Nenhuma dor crispava mais Querelle. Sentia apenas a cabeça redonda e dura forçar um pouco, e suavemente penetrar até o fundo... permanecia então alguns segundos imóvel, dando um pouco de descanso a seu amigo. Depois o vaivêm começava. Era muito macio, muito repousante sentir-se tão profundamente penetrado, conhecer em si uma presença tão soberana. O membro não corria o risco de sair… agarrava Querelle pelas axilas e puxava contra si. O marujo deixava-se ir para trás, apoiando-se com força no peito de Norbert. 

- Tá te machucando? 
- Não, continua assim. 

Eles sussuravam, o espírito e a palavra desvairados, a palavra como uma poeira de ouro expirada pelas bocas entreabertas. Querelle devagar fazia mover os quadris e Norbert com mais dureza os rins. Era bom estar preso no pau. E bom reter em si, pelo pau, um fortão que só se libertará esporrando-lhe o cu. Às vezes Querelle sentia em si o sobressalto da pica sólida... Ele se masturbava com calma, pausadamente, atento a sentir em si o vaivêm daquela biela enorme. Após se terem abotoado, olhavam-se sorrindo. 

-Porra! A gente é babaca, você não acha? 
-Por que babaca? A gente não faz mal a ninguém. 
-Mas você gosta de me comer? 
-Eu, bem, por que não? Não é ruim. Não posso dizer que tenha uma queda por você, senão eu mentiria. Ter queda por um homem, isso eu nunca entendi. Olha que existe. Já vi casos. Só que eu não poderia. 
- Que nem eu. Me deixo enrabar porque to pouco ligando; acho isso engraçado, mas que não me peçam pra eu ter queda por um cara. 
- E enrabar um garoto, você já tentou? 
- Nunca. Isso não me interessa... você não fica tentado? 
Querelle com a cabeça abaixada para afivelar o cinto, levantava-a sacudindo-a da direita para a esquerda, fazendo careta. 
- Quer dizer que você só gosta de ser enrabado? 
- E daí?... Tá cagando. Já te falei que é só curtição. 

Junto a Norbert, Querelle não reencontrava a doçura que conhecera no quarto do veado armênio. Em torno de Joachim sentira uma verdadeira atmosfera de doçura, de calma, de segurança. Isso talvez viesse do fato de sentir-se tudo para aquele homem que teria aceitado, pelo menos no momento em que estava com ele, todas as suas exigências. Por Joachim ele teria certamente se deixado meter. Só que (ele agora compreendia) Joachim teria exigido o contrário. 

Norbert não o amava, ainda que cada vez mais sentisse nascer algo novo. Um sentimento o ligava a Norbert. Talvez por causa de sua idade em relação à Norbert? Recusava-se a admitir que, ao enrabá-lo, ele o dominava; contudo talvez isso ainda contasse. Enfim, não se pode recomeçar todo dia o que se acredita ser apenas um jogo amoroso sem acabar por se deixar levar por ele. Alguma outra coisa servia para criar esse novo sentimento ou antes, essa atmosfera de cumplicidade repousante eram as formas, os gestos, as jóias, o olhar de Madame Lysiane, e até a palavra que ela pronunciara duas vezes essa noite: 'Meu filho.' Ora, acontecia que tendo sido, de qualquer modo, realizado pela intervenção do policial, Querelle deixara de gostar dos jogos de Norbert. Entregara-se ainda uma vez por hábito, quase por inadvertência, mas é e o prazer agora demasiado visível de Norbert contribuía para isto - começava a detestá-lo. Contudo, como lhe parecia impossível desfazer-se daquilo em que havia se tornado, pensou em tirar secretamente partido, e, primeiro, receber dinheiro de Norbert. Enfim, pelo sorriso e pelos gestos da patroa, ele entrevia de forma obscura a possibilidade de outra justificativa. Essa idéia logo abandonou Querelle. Norbert não era um homem de se deixar intimidar.

Querelle (JEAN GENET, 1947).

3 comentários:

  1. morri de tesão. Estar preso por um pau deve ser delirante!
    molhei a calcinha...

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  2. Vi o filme e li o livro há tempos...resgatar essa leitura é o que farei em breve. Atual em tempos antigos, vanguardista para sua época sem medo de repressão. O que aconteceu com esse mundo nestes últimos sessenta anos??? Ao invés de evoluirmos, regredimos a meros pudicos repressores chatos, com nossas vidas chatas, com nossos trabalhos chatos e nossas rotinas chatas. Onde está a diversão???

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